06 janeiro 2011

Estava escrito enquanto escrevo



Como sempre as histórias nos fazem pensar longe...
Reproduzem símbolos da vida real e conectam sentimentos com pensamentos criando imagens e novas realidades. Inspirada por um livro da literatura popular, fiquei tempos pensando no destino do protagonista. E depois, no destino de cada um de nós e então, no meu destino também.
Será que já está tudo simplesmente escrito?

O personagem nasceu com um dom.
Em sua carne, em seu corpo e principalmente em seu sangue corria um poder especial. Ele sabia disso.
E seguindo seus instintos, guiado por sua anatomia e por sua obsessão, chegou até seu destino.
Não sem antes passar por grandes aprendizados e experiências.

No entanto, a cada passo, ele nem sequer pensava no que fazia, não questionava seus atos.
Uma força cega, maior que ele mesmo, o conduzia obstinadamente rumo à lei da sobrevivência, que para ele, significava matar sua fome insaciável de reconhecimento e adoração.
Nunca se sentiu amado de verdade.

Ele completou seu plano egoísta, se surpreendeu insatisfeito e teve um trágico final.
Sua história é fascinante justamente por isso. Não lhe foi dada a possibilidade de reflexão. Sua compulsão era tal, sua neurose era tão arraigada e sobrenatural que questionamos inclusive sua humanidade, daí a graça da história. Mas... E se ele tivesse parado para pensar na consequência de seus atos? E se ele tivesse feito escolhas? E se ele tivesse... Consciência?

Destino impresso, Maktub, ou “estava escrito” pode soar bem fatídico, como se o ser humano realmente não tivesse opção no caminho longo e curvilíneo da vida. E essa é uma questão profunda e complexa. Temos realmente escolha?

Pensando sobre o decorrer das histórias dos livros e das histórias reais, tento perceber até onde a consciência pode interferir no que chamamos, destino. Me vem aquela frase de caminhão na cabeça: “Você faz suas escolhas e suas escolhas fazem você”. Como a sabedoria popular guarda pérolas valiosas do saber mágico, sou inclinada a concordar.

Para mim não há dúvidas que a anatomia e a constituição psicológica, assim como fatores misteriosos que podemos chamar de “aspectos da alma”, são responsáveis por parte de um destino escrito, sim.
Como uma semente potencial que não tem como fugir de brotar o fruto que traz. Mas, se como o personagem, somos guiados apenas por eles, teremos um destino cego, categórico e inevitável.
Se ao contrário, somos capazes de ir além e fazer escolhas conscientes e virtuosas, é possível escrevermos novas linhas e roteiros.

Muitas vezes os caminhos fáceis e cegos nos confundem.
As aparências enganam, o sucesso é relativo, o mundo dá voltas estranhas...
Nunca sabemos bem o que se passa no íntimo das pessoas, mas se essas são vítimas de sua própria compulsão inconsciente, o exterior implacável é bem mais uma compensação de traumas e inseguranças que fruto do acaso. O que não foi resolvido dentro aparece fora como fato, ou melhor dizendo como fatum, a palavra para “destino” em latim.

Como uma marionete nas mãos de fantasmas internos, elas dançam, cantam, acontecem e não medem esforços para seus objetivos. Não percebem a atuação dos co-autores invisíveis que elas mesmas alimentam.
Algumas parecem brilhantes e bem sucedidas, mas não sabem sequer se livrar de sua própria alienação.

Parar tudo e olhar ao redor, olhar para dentro e perceber o livre arbítrio e seu fator sobre o destino é ser um alquimista contemporâneo. Simples, moderno, fino... No entanto, infelizmente, nada comum.
O fatalismo é só pra quem não negocia com suas vozes interiores, pra quem não sente os desígnios de uma força maior que sabe mais que nós mesmos sobre nossa verdadeira natureza.

Saber disso é não precisar mais estar identificado com as tendências, com os movimentos, com a sociedade e com os valores edificados sei lá por quem...  Pensar além dos exemplos ao redor. Conectar por feeling, desconectar por intuição. Saber o que se gosta e o que se é além do que nos ensinaram. Autonomia de princípios.
Obviamente essa ruptura com as ilusões é opcional. Existe um preço e nem todos estão dispostos (ou em condições) de pagar.

Difícil, desafiador, muitas vezes heroico, mas viver na sociedade paralela da individuação é completamente possível, quem sabe até mais fácil que se ver integrado, em comunhão, em “participação mística” como faziam os ancestrais, enquanto a alma grita inquieta lá de dentro: “somos mais que isso”!

E na terra dos independentes, pode-se encontrar várias amizades afins, cada uma no seu mundo. Várias particularidades se encontram, se misturam, sem inveja, sem medo de ser. Novas histórias são escritas. Atemporais, apócrifas, criativas, coloridas, únicas e inesquecíveis.

Sobre a história que me inspirou... Pura ficção, mas espelhada no ultra real. Nem considero importante aqui dizer o nome, afinal de contas, novelas, romances e biografias acontecem a toda hora, e os personagens principais sempre somos nós.


Um comentário:

monique disse...

Bacana, gostei das reflexões. Que bom poder ser alquimista, porque estar fadado a um destino é pior que o ruim.