05 agosto 2008

SATURNO. E seu famoso retorno...

Dentre os astros mais famosos do sistema solar, lá está ele, o original e vaidoso… Saturno. Belo, curioso e segundo maior planeta do Sistema Solar, leva aproximadamente 29 anos para completar uma volta inteira ao redor do Sol e de 7 em 7 anos nos influência de forma contundente a partir da data do nosso nascimento.
Seu retorno ao signo e ao grau exato do nosso nascimento é conhecido como o famoso Retorno de Saturno e o primeiro ocorre justamente quando completamos a idade de sua órbita, ou seja, por volta dos 29 anos de idade.

Então, chega o momento de acertar as contas com o planeta mais exigente da corte do Rei Sol: O Senhor dos anéis.


Porém, independente de sua volta ao redor do Sol e sua influência em datas específicas, também está presente em nosso cotidiano, como voz interior e sentimentos muito específicos, cumprindo sua missão planetária de disciplinar e lapidar a espécie humana.
Como, quando e onde sentiremos seu peso plúmbeo, saberemos conhecendo nosso mapa astral e encontrando sua posição em nosso destino particular. Mas mesmo quem nunca o viu pelo prisma astrológico do autoconhecimento, se um dia olhou para dentro e encontrou ali um Velho Sábio, encarou uma das faces de Saturno, ou Cronos, como o chamavam os Gregos.


Em Roma, onde os Deuses são planetas, estão as ruínas de vários templos. O de Saturno, não por coincidência, era um dos mais importantes e hoje é o mais antigo, resistente e intacto. Quatrocentos anos antes de cristo e ainda podemos ver suas oito colunas, irredutíveis diante do tempo.


Nada mais simbólico.
O mais distinto e charmoso dos planetas, graças aos seus lindos anéis de gelo, é o Mestre do Tempo, símbolo da maturidade, das responsabilidades e da resistência.
Terra firme, base, chão. Paredes fortes, pedras, rochas e montanhas…
É ele quem nos implica lições difíceis que nos preparam para a realidade do mundo material e que provavelmente não aprenderíamos por escolha própria, inspirados pelo prazer da experiência. Saturno ensina que existem coisas que devem ser aprendidas, pelo bem, ou pelo mal.
 
Inclusive o adjetivo “mal” e também seu homófono “mau”, sempre foram associados à sua figura. Poder-se-ia inclusive desenvolver o arquétipo do Vilão e toda sua vasta simbologia em uma completa correspondência com as regências desse planeta. Levando em conta que os vilões das histórias infantis são sempre figuras marcantes, de forte apelo visual, com características de cinismo e inveja mesclando-se com charme, sedução e inseguranças ocultas, poderíamos fazer inúmeros paralelos com o grande maléfico, sua definição na antiguidade. Antes da psicologia se desenvolver ao ponto de englobar o inconsciente e a responsabilidade pelo autoconhecimento, antes dos estudos da alma humana ampliarem os conceitos da astrologia medieval, tudo de negativo era culpa de Saturno.
Hoje, após longos períodos de evolução do pensamento humano, seus significados podem ser compreendidos e quem sabe até assimilados, funcionando então como processo necessário e até imprescindível para o crescimento e a maturação das virtudes humanas no indivíduo.

Mas essa compreensão das lições de Saturno, mesmo que possíveis, de nada são fáceis ou naturalmente prazerosas. Tudo dependerá sempre da capacidade particular da pessoa de encarar esse desafio. Afinal, para tornar Saturno um amigo, deve-se no mínimo, vencer vilões, matar dragões, e depois de tudo, ainda não se julgar um herói superior, mas reconhecer a divindade de ser simplesmente… Humano.
Como planeta dos limites, é ele quem nos lembra de nossa condição mortal, terrena, real. E para aqueles que estão encarnados no planeta Terra, realmente é uma boa ideia procurar entender o que suas regências se propõem a nos ensinar, principalmente se concordamos que sonhos devem ser mais que sonhados e que toda imaginação e criatividade são ainda mais frutíferas e vívidas quando plasmadas no mundo real.
Quem quer cumprir sua missão no planeta, encarar seu carma natal e transformar o chumbo em ouro, deve garantir sua vaga na viagem até Saturno. Sempre há vagas, mas a distância é longa e o preço alto, muito alto. Mas para os alquimistas do novo milênio, um trabalho cotidiano de dedicação e esforço paga aos poucos e em prestações possíveis a jornada ao centro da Terra. E uma vez ali, o que antes era medo, começa a se transformar em paz interior.
 
Tradicional, esse mestre gosta das coisas bem feitas e de certo refinamento. Quando é atendido em suas exigências, destina a pessoa ao sucesso e à nobreza de caráter. No entanto, quando negligenciado, pode atuar de forma realmente dolorosa, forçando a pessoa a encarar seus maiores defeitos e alienações. Definitivamente, falta de autoconhecimento e autocrítica atraem, mais cedo ou mais tarde, dolorosas lições de Saturno.
E não tenham dúvidas, a dor estará presente.

Dor… antes de ser uma inimiga, podemos encará-la como uma sinalizadora de limites: “Me dói, paro aqui, não posso mais…” Também podemos entendê-la como a marca registrada de nossa mortalidade, algo antes de tudo, real. Dói estar vivo, dói amar e saber que se pode perder, dói crescer… E dói a verdade, sempre que destrói uma ilusão.
Mas é claro, as vezes dói mais. E nessas horas podemos questionar o porquê, e assim, encontrar alguma falha em nossa conduta, responsável por tal sofrimento. Por isso, muitas vezes Saturno é um principio que ensina pela dor.

 
Normalmente, nos sentiremos profundamente culpados por alguma negligência, nosso corpo físico pode sofrer ou mesmo de repente nos pegamos escravizados por algum dever ou responsabilidade que dure muito tempo e que exija grandes sacrifícios. Ao fim, mesmo que as custas de muito suor e sofrimento, teremos algo inquebrável dentro de nós, uma voz sábia e tranquila, a serenidade e a maturidade de quem sobreviveu. Para Saturno, crises são nada mais que oportunidades de crescimento.
É claro que para alguns, ele vem com mais poder (ou seria peso?), em um signo ou casa que rege, ou em aspectos importantes no mapa natal, mas cada um de nós sabe onde essa pedrinha incomoda, para fazer mais que um eufemismo.
Outra forma de vivenciar a atuação de Saturno é pela herança familiar e através da força de união de um casal. Quando se trata de laços de sangue hereditários e uniões com prováveis frutos, se foram feitas para durar, se encontra o planeta da fidelidade atuando. Saturno é familiar e Pai, e sempre constrói ligações verdadeiras e muito fortes.
Sendo ele o planeta dos anéis, gosta de alianças. Por exaltar-se em Libra, o signo das justas medidas e da casa dos opostos complementares, gosta de ensinar seus princípios através do intercâmbio entre dois seres, como nos pratos justos da balança. Pais e filhos, amizades, sociedades, duetos, parcerias, casamentos e espelhos. Tudo que nos une com o outro, pelo amor ou, mais uma vez, pela dor.

As verdadeiras uniões, almejadas por sua manifestação mais elevada, são baseadas no equilíbrio verdadeiro entre um e outro, entre amor próprio e amor pelo parceiro, entre a dúvida e a certeza do sentimento. Até que, com o tempo, a estabilidade possa se assentar e os corações dormirem em paz.
Esta é sua proposta, mas antes do lindo desfecho, o velho vilão mostra seus dentes ferozes e ameaça devorar seus próprios filhos.

SATURNO por Siron Franco 2008
Como o planeta do medo, das inseguranças, do frio emocional e da rigidez pode atuar nas uniões humanas? Não há rosas sem espinhos … E nos riscos de uma aproximação forte e verdadeira sempre se levantam as tão saturninas… Defesas.
E que sensível deve ser o porco-espinho…

 
O antigo e eterno paradoxo “amor x medo” pode ser considerado as duas faces de sua moeda de ouro. A pedra filosofal de seu mito. Compreendê-la, vivenciá-la, superá-la… o desafio.
No compromisso profundo com a autopreservação, nossa parte interior representada por esse Deus, questiona, duvida, se engana e muitas vezes pode inclusive nos sabotar, revestida de inseguranças, com seu inquérito interminável: Será verdade o que sinto? Vale a pena me arriscar? Vou sofrer? É o que quero realmente? Haverá correspondência? Então, são tantas dúvidas, que as possibilidades futuras acabam soterradas pela análise.

 
Por outro lado, para quem tem o real desejo de encontrar algo verdadeiro, sem perder sua individualidade, Saturno, como mestre da Realidade, se transforma naquela voz que questiona não com medo, mas com sabedoria: É o que eu busco no fundo do coração ou estou seguindo um impulso cego? É algo real , possível, ou mais uma ilusão? Até onde o medo da rejeição influencia meus relacionamentos? Me deixo influenciar pela opinião alheia ou sou sincero comigo mesmo? Me arrisco mais um pouco para ver no que dá? O que é verdade?
A verdade é simples no fim. E o que não for verdade, será fulminado. Saturno destrói ilusões. Uma a uma. E vai deixando apenas o possível e o que é desejo verdadeiro do fundo da alma.

Comportamentos mecânicos, impulsos compensatórios antigos, medo dos envolvimentos, interesses egoístas, reações baseadas em autoproteção, instintos reprimidos, preocupações com a imagem em detrimento dos desejos internos … O que não for verdade cairá por terra. Mais cedo ou mais tarde.
E todos estamos sujeitos. Somos humanos e pequenos diante do Sol. Mesmo Saturno, tão grande, ainda faz parte da corte solar, e sabe disso. Por isso, a parte divina de nosso ser, mesmo mais brilhante e Sagrada que todas as outras, também deve saber que habita um corpo mortal e um planeta vivo. Aceitar as imperfeições e compreender que as medidas humanas estão refletidas na natureza, em suas similares proporções, é mais que necessário, não somente para encontrar o amor em outro, más em nós mesmos, antes de tudo. E também na natureza, no planeta Terra, nossa casa, nosso limite planetário nessa encarnação.
 
A supervalorização do espírito, da luz, da consciência, da diversão, da criatividade, do ego, da autoconfiança me parece uma necessidade natural e compreensível da nossa espécie. Gostamos de tudo que brilha, que vence, que nos inspira e dá prazer. Estes princípios solares são adorados desde a mais remota civilização, enquanto que a parte “chata da vida”, cheia de medos, sombras, trabalho, derrotas e imperfeições é naturalmente desprezada e esquecida. Porém, se conscientemente lembrada e cuidada, se torna cada vez menor, enquanto oferece as bases sólidas para a verdadeira realização.
 
Saturno tem seu papel e razão como qualquer boa história tem seu vilão. O que seria do cavaleiro ou da donzela se não fosse o dragão? O que seria do herói se não fossem seus desafios? E da rosa se não fossem seus espinhos? De que valem os sonhos sem a realidade?
Sobre o desafio do amor sob a benção desse deus, Jung escreveu:


“Assim como nenhuma planta cresce contra a morte, não existem meios simples de se facilitar uma coisa difícil, como no caso da vida. Podemos somente eliminar a dificuldade por meio de um correspondente emprego de energia. Assim também a solução do problema do amor exige o empenho do homem por inteiro, até seus limites. As soluções libertadoras só existem quando o esforço é integral. Todo o resto é coisa malfeita e inútil. Só se poderia pensar em amor livre se todas as pessoas realizassem elevados feitos morais. Mas a ideia do amor livre não foi inventada com esse objetivo, e sim para deixar algo difícil parecer fácil.
Ao amor pertencem a profundidade e a fidelidade do sentimento, sem os quais o amor não é amor, mas somente humor. O amor verdadeiro sempre visa ligações duradouras, responsáveis. Ele só precisa da liberdade para a escolha, não para sua implementação. Todo amor verdadeiro profundo é um sacrifício. Sacrificamos nossas possibilidades, ou melhor, a ilusão de nossas possibilidades. Quando não há esse sacrifício, nossas ilusões impedirão o surgimento do sentimento profundo e responsável, mas com isso também somos privados da possibilidade da experiência do amor verdadeiro.
O amor tem mais que uma coisa incomum com a convicção religiosa: ele exige um posicionamento incondicional, ele espera uma doação completa. E como apenas aquele que crê, aquele que se doa por completo ao seu Deus, partilha da manifestação da graça de Deus, assim também o amor só revela seus maiores segredos e milagres àquele capaz de uma doação incondicional e de fidelidade de sentimentos. Como esse esforço é muito grande, só alguns poucos mortais podem vangloriar-se de tê-lo realizado. Porém, como o amor mais fiel e o que se doa ao máximo é sempre o mais belo, nunca se deveria procurar o que pudesse facilitá-lo. Só um mal cavaleiro de sua dama do coração recua diante da dificuldade do amor. O amor é como um Deus: ambos só se oferecem a seus serviçais mais corajosos.”

Falou bonito o velhinho mais sábio dos últimos tempos.
Milhões de teorias tentam, mas não sei se conseguem explicar a profundidade da experiência saturnina. Só mesmo lá no âmago, onde encontramos nossos maiores pavores, nossa mais inaceitável natureza, nossa mais absoluta fraqueza é que podemos fazer uma ideia da realidade de um aspecto de Saturno atuando em nós.
Muitas vezes o esquecemos, ignoramos, fugimos… até que alguém nos toca justo ali. Até que uma situação nos força a ver o indesejado. Amor ou ódio? Um amigo ou um vilão? Um tudo que pode ser nada e vice-versa. Até onde estamos preparados?
Porém, acima das relações pessoais, estão ainda propósitos mais amplos, de evolução espiritual e material. Os planos dessa divindade para cada um de nós está sempre além do que esperamos. Em algum lugar estará ele, fortalecendo a construção e a cristalização de estruturas internas e externas com a intenção de trabalhar nossa autonomia e autopreservação.

E para chegar à essas metas, já sabemos que atravessaremos caminhos difíceis, como vencer medos invencíveis, aceitar a solidão e pagar o preço por nos separarmos de ideias coletivas e padrões familiares para reconhecer nossa própria identidade.
O que Saturno quer de cada um é a lapidação da pedra da individualidade. E começa por fortalecer nossas mais inaceitáveis fraquezas.
No fim, ele nos aponta para um propósito único, para o qual nascemos e que aguarda apenas a maturação de nossa personalidade para brilhar no horizonte.
Enquanto isso, é bom tentar conviver com as frustrações e os isolamentos que aparecem no caminho dos que um dia serão indivíduos únicos. Tão belos e originais em sua própria personalidade, como Saturno, no céu das divindades espaciais…

Templo de Saturno. 400 aC/2008 dC. ROMA
 
O tempo não é uma medida.
Um ano não conta, dez anos não representam nada.
Ser artista não significa contar, é crescer como a árvore que não apressa a sua seiva e resiste, serena, aos grandes ventos da primavera, sem temer que o verão possa não vir.
O verão há de vir. Mas só vem para aqueles que sabem esperar, tão sossegados como se tivessem na frente a eternidade...

RAINER MARIA RILKE

Um comentário:

Débora Menezes disse...

somos devorados por ele todos os dias!!!!mas as vezes me sinto mais forte!!!e quero fazer o meu tempo!!!ai vejo que nada resolve e que o que sinto nao passa de uma maldita ilusao!!!entao volto a esperar...com as fraquesas e a fortaleza de quem espera o tempo...

Debora Menezes